O estudo sobre o relacionamento entre treinadores e atletas
- GEPEEX
- 22 de set. de 2020
- 5 min de leitura
Por Roseana Pacheco Reis Batista*
O relacionamento entre treinadores e atletas, considerado como o “coração” do treinamento, é um dos tópicos de estudo da Psicologia do Esporte. Essa relação interfere nos comportamentos e aspectos psicológicos dos seus atores, afetando as experiências, desenvolvimento no esporte e satisfação pessoal de ambos. Abordaremos neste texto introdutório sobre o tema, como ela é compreendida, quais fatores psicológicos estão envolvidos e são afetados por essa relação e o que as pesquisas tem evidenciado sobre o assunto.

Durante alguns anos, o estudo sobre o relacionamento entre treinadores e atletas era tomado da perspectiva dos perfis de comunicação ou comportamento dos treinadores. Ou seja, quando estes assumiam comportamentos mais democráticos ou mais autocráticos, impactavam de diferentes formas seus atletas e a relação com estes, afetando o seu sucesso atlético.
Com o passar do tempo, começaram a surgir estudos, que tratavam o relacionamento de modo bidirecional, compreendendo que a interação estabelecida entre atletas e treinadores favoreciam ou dificultavam a relação e, consequentemente, alguns aspectos psicológicos e comportamentais destes. Uma grande pesquisadora sobre o tema é a professora Sophia Jowett (Loughborough University), que o investiga há mais de duas décadas. Neste texto, alguns de seus estudos serão apresentados para compreendermos melhor o que podemos chamar de relacionamento treinador-atleta (RTA).
De acordo com Jowett e Poczwardowski (2007), o RTA é compreendido cientificamente como como uma situação social na qual os sentimentos, pensamentos e comportamentos dos treinadores e atletas estão interconectados mutualmente e causalmente. Tentando explicar o seu modelo teórico de forma bem breve, o relacionamento é representado a partir da proximidade, do comprometimento, da complementaridade e da co-orientação. A proximidade representaria os sentimentos envolvidos na relação, ou seja, os laços de suporte, apreciação e respeito que unem treinadores e atletas; o comprometimento diz respeito às intenções de ambos para a manutenção da relação; a complementaridade diz respeito aos aspectos comportamentais de cooperação um com o outro; e a co-orientação capta a interdependência dos atores dessa relação no ambiente em que ela ocorre, sendo plataforma para que outros processos psicológicos ocorram.
Os estudos revelam que quando os treinadores agem de modo atencioso, aberto e comprometido com os objetivos dos seus atletas, eles favorecem a alta qualidade da relação, impactando de forma positiva aspectos psicológicos importantes para a manutenção e sucesso na prática esportiva de seus atletas, como a inteligência emocional (Benito, Luján, & Trigueros, 2018), a motivação e o bem-estar (Jowett et. al., 2017), só para citar alguns.
De modo semelhante, os atletas que tratam seus treinadores com respeito, confiança, apreço, comprometimento e cooperação, se conectam com mais facilidade e tem mais probabilidade de receberem as melhores práticas que os treinadores podem oferecer (Jowett et. al., 2017).
Você deve estar se perguntando o que devemos fazer então para desenvolver e manter uma boa qualidade do relacionamento treinador-atleta?
Pois bem, as pesquisas respondem essa questão.
Os atletas esperam que os treinadores reconheçam o conflito e iniciem o manejo dele. E os treinadores esperam que os atletas identifiquem o problema, porém nem sempre os atletas estão preparados para reconhecer ou expor os seus sentimentos. Há a necessidade de criar abertura com o atleta, se você quer que ele compartilhe os seus problemas. Os conflitos na relação apresentam-se muitas vezes como uma oportunidade para promover a autorreflexão e fortalecimento do relacionamento, se manejados de maneira adequada.
As pesquisas (Davis, Jowett, & Tafvelin., 2019; Rhind e Jowett, 2010) citam algumas estratégias que podem ser utilizadas por atletas e treinadores para desenvolverem e manterem relações de alta qualidade uns com os outros, baseado em um modelo chamado de COMPASS. O nome dado a esse modelo é formado pela junção das iniciais das palavras que indicam as estratégias a serem utilizadas: conflict manegement, openess, motivation, assurance (positivity), preventative (advice), support e social networks; que em português quer dizer: manejo do conflito, abertura, motivação, garantia (positividade), prevenção (aconselhamento), suporte e rede de apoio social.
Baseado nesse modelo, poderíamos dizer brevemente que, para manter uma qualidade no relacionamento, treinadores e atletas deveriam:
1. Gerir os seus conflitos, identificando, discutindo, resolvendo e monitorando as áreas onde os desacordos e mal-entendidos podem ocorrer. Para isso, é necessária a utilização de uma comunicação assertiva, não-violenta;
2. Abertura e esforços de ambos para desenvolver essa comunicação;
3. Levantar os motivos dos esforços para desenvolver e manter uma boa relação;
4. Ambos devem garantir um ao outro o compromisso na manutenção de um bom relacionamento;
5. Discutir expectativas, regras, funções e o que deve acontecer se estes não forem atendidos. Principalmente para o treinador, é necessário ouvir o que o atleta tem a dizer sobre as metas estabelecidas para o seu treinamento. Isso faz parte do processo de suporte à autonomia do atleta;
6. Suporte mútuo em momentos difíceis, que pode ser emocional ou informativo;
7. Criação de oportunidades para o desenvolvimento de laços consistentes com outras pessoas, como familiares, colegas de equipe, assistentes técnicos, parceiros, entre outros.
É importante destacar que treinadores e atletas podem contar com suportes profissionais caso estejam com dificuldades no relacionamento. O psicólogo do esporte, como parte da equipe multidisciplinar, é um profissional que pode intervir também na mediação dos conflitos existentes entre treinadores e atletas, como parte da intervenção psicológica nos diferentes espaços onde esses indivíduos se relacionam, seja na prática esportiva ou na atividade física, individualmente ou em equipe.
O GEPEEX realiza várias pesquisas sobre o tema. A seguir, são citados alguns artigos provenientes destas pesquisas. Veja o que publicamos até agora:
Freire, G. L., M., J. F. V. N. de, Oliveira, D. V. de, Xavier, S. E. da S., Ribeiro, L. C., & Junior, J. R. A. do N. (2020). Qualidade do relacionamento com o treinador e resiliência de atletas paralímpicos de atletismo e natação. Psicologia E Saúde Em Debate, 6(1), 165-177. DOI: 10.22289/2446-922X.V6N1A12
Disponível aqui.
Fiorese, L., Pizzo, G. C., Contreira, A. R., Lazier-Leão, T. R., Moreira, C. R., Rigoni, P. A. G., & do Nascimento Junior, J. R. A. (2018). Associação entre motivação e coesão de grupo no futebol profissional: O relacionamento treinador-atleta é um fator determinante? [Association between motivation and group cohesion in professional football: Is the coach-athlete relationship a determining factor?]. Revista de Psicología del Deporte, 27(4, Supp, 1), 51–57.
Disponível aqui.
Cheuczuk, F. et al. (2016). Qualidade do Relacionamento Treinador-Atleta e Orientação às Metas como Preditores de Desempenho Esportivo. Psic.: Teor. e Pesq. [online], 32 (2), e32229. DOI: 10.1590/0102-3772e32229.
Disponível aqui.
Vieira, L. F. et al. Adaptação transcultural e propriedades psicométricas do questionário de relacionamento treinador-atleta brasileiro (CART-Q) – Versão atleta. Rev. bras. cineantropom. desempenho hum. [online]. 2015, vol.17, n.6, pp.635-649. ISSN 1980-0037. https://doi.org/10.5007/1980-0037.2015v17n6p635.
Disponível aqui.
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Quer saber um pouco mais sobre o assunto?
>> Assista a aula de Sophia Jowett sobre RTA (em inglês): acesse aqui.
>> Leia o texto da autora sobre comunicação (em inglês): acesse aqui.
Referências bibliográficas
Benito, M. M., Luján, J. F. G., & Trigueros, A. M. B. (2018). Inteligencia emocional, percepción de apoyo a la autonomía y relaciones en el deporte. Cuadernos de Psicología del Deporte, 18(1), 13-20.
Davis, L., Jowett, S., & Tafvelin, S. (2019) Communication Strategies: The Fuel for Quality Coach-Athlete Relationships and Athlete Satisfaction. Frontiers in Psycholpgy, 10-2156. DOI: 10.3389/fpsyg.2019.02156
Jowett, S. (2017). Coaching effectiveness: the coach–athlete relationship at its heart. Current Opinion in Psychology, 16, 154–158. DOI:10.1016/j.copsyc.2017.05.006
Jowett, S., Adie, J., Bartholomew, K., Yang, S., Gustafsson, H., & Lopez-Jiménez, A. (2017). Motivational processes in the coach-athlete relationship: A multi-cultural self-determination approach. Psychology of Sport and Exercise, 32, 142-150. DOI: 10.1016/j.psychsport.2017.06.004
Jowett, S., & Poczwardowski, A. (2007). Understanding the Coach-Athlete Relationship. In S.Jowett, & D. Lavallee (Eds.). Social psychology in sport. 3-14.
Rhind, D. J. A., Jowett, S. (2010). Relationship maintenance strategies in the coach-athlete relationship: The COMPASS model. Journal of Applied Sport Psychology, 22, 106-121. DOI: 10.1080/10413200903474472
*Roseana Pacheco Reis Batista é psicóloga formada pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), com mestrado pela mesma universidade, na Linha Processos Psicossociais e pesquisa em Psicologia do Esporte. Integrante do GEPEEX-UNIVASF e do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Fenomenologia, Esporte e Educação (NEPFEE-UNIVASF). Participa da atual gestão da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP Gestão 2020-2021).
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